sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Prefeito anuncia decreto de apoio a artistas de rua



O prefeito Gilberto Kassab anunciou nesta segunda-feira (18/7) que editará um decreto de apoio e regulamentação às atividades culturais realizadas nas ruas de São Paulo. Em reunião com representantes dos artistas de rua, realizada hoje na sede da Prefeitura, foram expostas iniciativas da administração municipal para integrar melhor as manifestações artísticas ao ambiente urbano.

“Foram discutidas regras para que os artistas de rua possam executar com conforto e segurança o seu trabalho. Uma reunião importante que consolidou uma sistemática de ação que se traduzirá em um decreto de lei que será publicado nos próximos dias”, afirmou Kassab.

O decreto vai regulamentar apresentações artísticas individuais ou em grupo nas ruas da capital. Os artistas poderão aceitar do público contribuições voluntárias em dinheiro.

“Esta abertura da Prefeitura é muito importante, devolvendo pela assinatura do decreto os direitos de expressão aos artistas de rua. Com este estímulo, a cidade fica mais alegre, mais festiva e mais organizada”, explicou Celso Reeks, representante dos artistas.

Durante a reunião, o presidente da São Paulo Turismo, Caio Carvalho, apresentou ações para transformar as manifestações artísticas de rua em atrações turísticas da cidade. As propostas incluem o mapeamento dos artistas, com a divulgação da programação de apresentações, além do inventário da arte urbana, como os grafites, por exemplo.


( Na Europa, os artistas de rua ganham para apresentar seu trabalho na rua, já que isso aumenta o turismo).

Prefeitura Regulamenta apresentações de Artistas de rua.

Nossa como o Kassab é bonzinho ¬¬ .

Mais uma reportagem...

Pra quem quiser dar uma olhada vale a pena, as fotos de Thiago Queiroz, estão simplesmente maravilhosas.
http://blogs.estadao.com.br/olhar-sobre-o-mundo/estatuas-vivas/

Filosofando sobre estética e a estática.

A ESTÁTUA VIVA SOB AS VÁRIAS (RE)(DES)CONFIGURAÇÕES DO CALEIDOSCÓ(R)PIO HUMANO


A ESTÁTUA VIVA SOB AS VÁRIAS (RE)(DES)CONFIGURAÇÕES DO CALEIDOSCÓ(R)PIO HUMANO
Rosa Maria de Souza Brasil[1]
(...) ver somente com os olhos um homem representado como homem, como valor ético-estético, imagem, ver seu corpo como um valor, como uma expressão da aparência, etc. é evidentemente de todo impossível; em geral, para veralgo, para ouvir algo, isto é, qualquer coisa determinada enquanto objeto ou apenas axiologicamente significante, algo que tenha peso, não bastam os sentidos exteriores, nem “uma vista que não vê nem um ouvido sonado”, como diz Parmênides.
Mikhail Bakhtin

O que fazer quando a proposta é (re)(des)fazer? O que construir, quando a proposta é (re)(des)construir?
Em que gênero adentrar? Artigo científico? Crônica? Work in progress (caderno de notas)? Notícia? Como separar essas “ações sociais” partindo-se da intenção de escrever para um outro ávido por simultaneidades, imbricamentos, relações, componentes de um evento científico intitulado “Rodas de conversa”, cuja proposta recai sobre estética e ética, arte e responsabilidade, composição e arquitetônica, corporeidade e consciência, ato e evento, forma e conteúdo, mundo sensível e mundo inteligível, acabamento e inacabamento? Resposta: escrever em forma caleidoscópica.
A primeira pessoa será a pedra azul que gerenciará as outras contas azuis, de infindáveis tonalidades. Sem nenhuma despretensão, inicio esse instrumento “formador de formas e de posicionamentos” com “Eu”.
Eu arrastava meus lentos passos pela Praça da República – uma grande praça, de uma grande cidade grande – quando me deparei com uma multidão. Como o domingo, dia do nada, estivesse indicando com as mãos espalmadas para cima, uma razão para sentir o sangue pulsante no corpo, encaminhei-me à provável descoberta, certo objeto de curiosidade dos populares. Passei por entre corpos, suados, coloridos, ululantes. E cheguei às contas pretas dos desenhos articulados do caleidoscópio: duas estátuas vivas. Uma toda branca, cabeça enrolada em tecido, pernas enroladas em tecido; sobre toda ela pedaços compridos de tecido leve e branco. A outra, um flautista dourado. Com o dorso nu, de chapéu, calças de tecido grosso, cinto e flauta nas mãos, um homem se “mostrava” por trás da grossa mão de tinta dourada.Uma praticamente do lado da outra. Mas não eram pares, nem sócias. Eram dois “objetos” diferentes, concorrentes.
Alguém empurra meus braços pedindo passagem. O instrumento “fazedor de formas” se mexe e esse texto adquire outra configuração.
O sujeito bakhtiniano é fundamentalmente kantiano. O sujeito de Kant, que se encontra bem (in)definido na Crítica da razão pura teórica (Kant, 1967), é um sujeito que desconstrói a possibilidade de ser tomado como objeto, produto, coisa; é a manifestação do fazer ante o outro, com o outro, para o outro. Constitutivamente diferenciado do sujeito pensante de Descartes, o “eu penso”, de Kant, não deve ser considerado na fonte do pensamento, mas sim como um atributo do que é pensado. É imprescindível negar, assim, o “sujeito-coisa”, uma vez que este só se faz sujeito ao se “misturar”, ao “aglutinar” outros sujeitos em sua composição. A partir da/com a “mistura” - engrenagem que se movimenta contínua e freneticamente - “enforma-se” a expressividade, “coando” as vozes alheias que são sugadas a todo instante, no processo de “vivência interacional”, por uma consciência que se constitui no “eu-a-mim-mesmo-que-não-posso-ver”. Este é o self que Kant define como um eu que é “em si mesmo completamente vazio” (...) Mas se o meu ego mais profundo, meu eu-para-mim-mesmo, opõem-se em essência a todas as categorias, a questão que surge é saber onde hei de obter as categorias para fixar o meu próprio self. A resposta é: de outrosselves (CLARK & HOLQUIST, 2004, p. 96).
Com a interiorização das “razões kantianas” – a razão pura (o teórico), a razão prática (o ético) e o juízo (o estético) – Bakhtin as reformula, sob a perspectiva dialógica alicerçada pelo hic et nunc concretos do agir humano. A estética bakhtiniana se sobrepõe à moral ampla e aplicável a todas a situações, de Kant. O estético de Bakhtin empurra o sublime de Kant e gera uma outra forma no caleidoscópio que arquiteta as construções humanas. É proposto um ponto de vista exotópico ao homem, fundado no social, no histórico. “Estar fora”, nessa perspectiva, não significa estar à parte, em outra parte. Significa “carregar o caleidoscópio”, ser agente das “mexidas” e consequentes reconfigurações arquitetônicas das coisas, das imagens, das formas, dos conteúdos. Para Sobral (2005b, p. 109),

A posição exotópica é a posição a partir da qual é possível o trabalho estético. A obra estética tem como tema o mundo dos homens, suas decisões éticas, seu labor teórico, suas interações, seu viver, aos quais representa na construção da obra estética. O autor e o mundo não correspondem ao autor e ao mundo empíricos, dado que são objetivados na obra, transformados em autor e mundo discursivos, elementos do objeto estético.

Bakhtin (1993, p. 60) escreve que “o isolamento da unidade da natureza elimina todos os momentos “coisais” do conteúdo”. E conclui: “O isolamento desreifica de novo: uma coisa isolada é uma contradictio in adjecto”. Machado (2005, p. 132) é categórica ao afirmar que “sem olhar extraposto é impossível falar em dialogia”. Ou seja, “aquilo que está dentro e que determina a forma exterior do campo de visão”. E conclui: “interessa-nos estudar o texto como um espaço aberto à simultaneidade das visões” (p. 132). O olhar extraposto inclui-se nas reflexões sobre o inacabamento, que força o movimento amplo e restrito, contínuo, provocado pelas vozes do mundo e pela voz expressiva, particular; força o exercício entre as várias possibilidades de “observação” do objeto (campo estético), e consequente avaliação valorativa (campo ético).
Machado (2005, p. 139) bem define o inacabamento como “a eliminação de todos os centros". Os eventos – diferentemente dos atos-atividade, dos fatos – como ato-ocorrência (SOBRAL, 2005a, p. 18), relaciona-se ao que Bakhtin, tal qual Husserl, definiu fenomenologicamente como “lugar de ocorrência de ‘atos intencionais’, distintos de atividades e de ações per se”. Bakhtin foca, nessa perspectiva, o caráter situado, historicamente marcado, de cada ato do homem. Em O problema do material, Bakhtin (1993, p. 55), tratando do objeto estético, afirma que este não existe antes da criação e independente dela; ele “realiza-se pela primeira vez junto com a obra”. E acrescenta: “(...) deve-se sublinhar o caráter auxiliar da organização material da obra, seu caráter propriamente técnico, não para rebaixá-la, mas para dar-lhe sentido e vivificá-la”.
Há, para Bakhtin, portanto, a atividade-tipo, ou atividade como potência, que coincide com a perspectiva de Aristóteles, bem definida por Sobral (2005a, p. 27):

(...) ‘ato’ é par de ‘potência’, envolvendo a idéia de ‘transformação’; ato é para ele a realização da potência, que é a possibilidade de vir-a-ser; (...), o ato precede a potência, dado que só em ato pode identificar a potência. O vir-a-ser só é entendido, em termos de transformação constitutiva, a partir do ser, do ser realizado, bem entendido, não em termos de substância.”

Mas, fundamentalmente, há o ato como ocorrência de uma certa atividade, o que significa a realização da atividade concretamente,experiencialmente. Bakhtin amplia as abordagens de Kant quanto ao processo do ato e ao conteúdo do ato, deixando evidente que nega qualquer ênfase fragmentadora, tendente ao abstrato, ao relevo do conteúdo em detrimento do processo. Bakhtin insiste na junção entre o processo e o sentido. Interessa, pois, o ato em realizando-se, como realizando-se, para quem realizando-se, e não tomado como post-factum. Sobral (2005a, p. 28) destaca que Bakhtin “substituiu o subectum transcendental de Kant pelosubiectum situado em seu aqui e agora”.
Nova mexida no instrumento “fazedor de formas” e de realidades.
As duas estátuas estavam lá, uma branca e uma dourada. Eram homens, por certo. E eram estátuas, substantivo feminino. Eram gente viva; eram coisa morta. Eram o foco do olhar dos outros; eram os próprios outros, fitando-se no “espelho”. Estávamos ali, eu e os outros. Os outros populares, ligeiros, coloridos, multiformes; os outros populares, absortos, parados, contemplativos; os outros estátuas vivas, duas, concorrentes, absolutamente inertes.
Uma moeda foi o suficiente para desarrumar a imagem no caleidoscópio. Imediatamente, formou-se outra. O texto se desenforma com a desarrumação da cena vivida.
Notícia postada no Google:

A primeira menção a uma performance semelhante a estas estátuas foi na Grécia Antiga. Para tornar mais vísivel o ator – no teatro grego, que deu origem ao teatro ocidental – eram usados sapatos de plataformas altíssimas, túnicas amplas e máscaras, de tal forma que, quando permaneciam parados por muito tempo, também representavam estátuas.
A estátua viva é uma performance temática em movimentos estáticos, com pausas estratégicas e perfeitas. Controle sobre os movimentos do corpo; técnicas e mímicas, que prendem a atenção dos convidados. Técnicas e figurinos de acordo com o efeito que se quer criar.
As estátuas humanas têm uma longa tradição no teatro de rua europeu. Em Paris, você pode ver estátuas humanas em diversos parques e jardins, procurando dinheiro em tons monocromáticos com paciêicia e autocontrole que rivaliza os maiores atletas e iogues. A roupa é noventa por cento da batalha, e o controle físico o toque final.
Quanto aos adereços, pode-se usar asas, guarda-chuvas quebrados, leques, garrafas, balança, espada, livros, flores, relógios etc.
Quanto á ação, a estátua viva deve oferecer algo. Se alguém lhe der dinheiro, isto é muito importante. O que você oferece não precisa ser tangível, pode ser simples como um beijo ou um olhar, mas precisa ter significado e precisa ser feito em um momento em que faça contato com a pessoa em frente de você, olhando nos olhos. Se tiver um talento, use-o. Bolhas, origami, flores, moedas, chaves, bilhetes enrolados em fita com citações, não importa. Cantar funciona, dar um parafuso, qualquer coisa.[2]

Outra moeda tilintou novamente. Nova desenformação, deformação. Imagem. Texto.
Com esta doação, a estátua branca começou a se mexer. Eram movimentos lentos, nos quais braços e mãos se esticavam, abriam-se, fechavam-se. As mãos carregavam levemente os retalhos compridos de tecido branco. Nelas, os tecidos pareciam dançar. Não havia música, mas a música era perfeitamente audível. Canção de ninar, de Brahms. As mãos se quebravam com extrema leveza, puxando a fina gaze que dançava com o vento. Todos os outros sumiram de repente. Aquela estátua cada vez mais era uma múmia frouxa, soltando faixas de gaze branca. Seu rosto amedrontava. As mãos eram leves; o rosto, pesado. Em um momento último da performance, a estátua branca deixou suas mãos “despencarem”, saídas de braços eretos, como se pedissem um beijo. Um dos populares não se fez de rogado: beijou a mão, o tecido, a estátua. Esta, visivelmente agradecida, baixou a cabeça, as costas e fez uma inflexão análoga ao agradecimento teatral. Senti piedade e humildade vindas da estátua. Olhei para os lados, sem olhar para os lados, e vi homens e mulheres atrapalhados, gritando no celular, aborrecidos, ansiosos, andando como se não existissem pessoas em seus caminhos. Senti um enorme prazer ao ver o gesto da estátua que, na sua estaticidade, conseguiu ser mais humana que os homens “vivos” da nossa “sociedade líquida” (Bauman, 2008). O beijo pedido, beijo na mão, a comoção, o agradecimento. Tudo isso entre a estátua e o homem. A estátua, ativa, pede o beijo e agradece. O homem, passivo, dá o beijo e sorri; em seguida, já ativo, parece maravilhado com o gesto de ternura e de agradecimento da estátua.
Sabe lá de onde veio a múmia, de onde veio da gaze, de onde veio a ternura, de onde veio o pedido do beijo. De onde veio a música. Meu olhar já fazia parte do experienciado, do extracampo, do extraposto. Já não podia dizer quem era eu, quem eram os outros que olhavam por mim, para mim, contra mim.
Um empurrão de um dos homens rápidos quase me faz cair. A música cessou. A imagem se reconfigurou no cadeidoscópio. Reconfigurou-se o gênero.
A compreensão do discurso do outro pela consciência do eu é, na sua acepção básica, dialógica; implica sempre duas consciências. A todo instante o sujeito no mundo interroga os outros-sujeitos-no-mundo; sempre organiza sua observação e suas experiências com a finalidade de obter uma “resposta”. Resposta dada, compreende-se o discurso do outro (que já é reflexo do outro) por meio do reflexo do eu. O discurso, ou mesmo o texto do outro, é o reflexo exato do reflexo do eu. É desta forma que “Através do reflexo do outro, chega-se ao objeto refletido” (BAKHTIN, 1997, p. 340). De todo esse imbróglio, resulta o fato de a voz e a compreensão do sujeito ser sempre de natureza polivalente; recheada de vozes e de discursos dos outros. Tudo existe sob forma de diálogo, inter e trans-humano. O intra é sempre inter- e trans-, em Bakhtin.
A ação de responder às necessidades do mundo por meio dos atos do self, que responde à sua própria necessidade de um outro, corresponde à “responsibilidade”[3]. O self é sempre aberto, inacabado; o outro é concebido por este como completo, na medida em que é visto como é. “Vir-a-ser único”, o meu eu-para-mim-mesmo é sempre invisível, e isto é sempre uma coisa boa (CLARK & HOLQUIST, 2004, p. 103), pois está ligado ao meu privilégio de ter existência. Existo na medida exata que os outros existem em mim. O espelho que utilizamos para a contemplação, percepção do eu, não pode ser concebido como mero vidro refletor, mas como a refração das consciências dos outros.
O sujeito, em Bakhtin, é paradoxal uma vez que é social e individual. É social, ideológico, ao se constituir pela infinitude dos discursos dos outros que são, por sua vez, “moídos” pela engrenagem “expressiva”, particular, de cada consciência. Faccipieri (2007, p, 134) alerta para o fato de que “o nascimento físico não é uma condição suficiente para o homem entrar na história, os animais também nascem fisicamente e não entram na história. Sendo assim, é necessário um segundo nascimento, um nascimento social”. A modelagem estilística da enunciação e da atividade verbal são de natureza sociológica e a própria cadeia falada, à qual se reduz a realidade da língua, é de natureza social (BAKHTIN, 1997).
Outra moeda cai, agora no balde de metal, dourado, da estátua concorrente. Instantaneamente, a estátua-flautista começa a tocar. O som da flauta conseguia impulsionar perna ante perna para mais perto. Fiquei cara-a-cara com o homem pintado de ouro.
Era triste a cabeça da estátua cor do sol. Tocando a flauta, os olhos fitavam o chão; a alma jogava-se ao chão. O rosto era de dor. A música era de dor. A magreza exposta pelo tom dourado era de dor. Os olhos só se davam a conhecer após a música tocada. Eram olhos vermelhos. De tinta, drogas ou dor? Dor: respondia meu olhar extraposto.
Notei a diferença entre uma estátua e outra. A branca, recebia aplausos, pagamento pela performance, admiração. À dourada, restavam gorjetas esparsas, escassas; nenhum aplauso; nenhum olhar. Só eu admirava a estátua dourada. Por vezes até duvidei de sua existência. Mas como criar o ouro? Ele estava lá, brilhante e decadente. À estátua branca, nessa guerra velada no domingo da praça, Quincas Borba reservaria as batatas; à dourada, ódio ou compaixão.
Com olhar muito “acima” da cena que reunia a duas pessoas pintadas e imóveis, eu enquadrava o meu olhar, que não era mais meu, que não recaía mais unicamente sobre a cena na praça, que já viajava no tempo e por espaços longínquos. Eu já não era eu; eu já era a estátua, a dourada. A outra já era minha inimiga. Dela, vinham afronta, beleza, poder. Dela vinha a força que me abatia, apagava-me do cenário. Minha coluna encurvada sobre a flauta já dizia da minha nulidade. Eu, que já era a estátua dourada, já era, também, meus alunos “públicos”, extremamente “particulares”. A estátua branca passava de governante, a gerente de restaurante, a professor, à segurança, todos com seus cajados, empunhando seus narizes, obesos de prepotência.
A dança das mãos da estátua branca não vinha mais acompanhada de música. A única música audível era a da triste flauta, relegada ao inferno destinado à “subclasse” (Bauman, 2005). Já se faziam ouvir os discursos de Stuart Hall, Giddens, Bauman. Este último, mais nítido:

Se você foi destinada à subclasse (porque abandonou a escola, é mãe solteira vivendo da previdência social, viciado ou ex-viciado em drogas, sem-teto, mendigo (...) qualquer outra identidade que você possa ambicionar ou lutar para obter lhe é negada a priori. O significado da “identidade da subclasse” é a ausência de identidade, a abolição ou negação da individualidade, do “rosto” – esse objeto do dever ético e da preocupação moral.
Já ouvia, também, Giorgio Agamben falando de um grupo heterogêneo de pessoas que tiveram seu “bios” (vida) reduzido a “zoë” (a vida puramente animal). Paulo Freire também se mexia na minha consciência múltipla, e dizia, lá de cima no auditório da Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte: “a miséria, hoje, não é mais calada; ela grita aos nossos ouvidos surdos”. Um após outro, um pelo meio do outro, os discursos vinham aos montes construir a arquitetura do objeto estético.
O olhar extraposto, fabricado pela individualização estética, que dá forma arquitetônica ao objeto estético, já não tinha mais ponto final. O inacabamento era a sua fonte de vida.
Precisava ir, o mundo apressado me apressava. Passei a mão apalpando os bolsos, encontrei uma nota que valia muitos reais. Era tudo o que tinha. Precisava pagar o lanche, a água (o dia estava muito quente), o táxi de volta. Fui andando de costas, passos lentos, quase sem sair do lugar. O cadeicoscópio ainda arrumava a mesma imagem.
Puxei, absorta, o dinheiro que tinha e o depositei gentilmente no balde de ouro. Um sorriso ensaiou aparecer.
A estátua inerte ao valor e ao mundo começou a tocar sua flauta mecanicamente.
O agir ético foi efetivado neste momento, nesta ação, pela minha parte, que não era só minha, suscitada pelo meu olhar, que também não era mais só meu.
Quanto à resposta da estátua, nunca vamos saber. Em sua “metamorfose ambulante” – um dia gente; outro dia estátua; um dia uma gente; outro dia outras gentes; um dia de dourado; outro de branco – dará a sua resposta retardada, que pode significar “ser estátua viva por arte e não por necessidade”.
E o cadeidoscópio bakhtiniano continua pelo tempo e pelos espaços a formar, desenformar, deformar, transformar.



REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Estética da Criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

_______. O problema da forma. In: Questões de literatura e de estética – a teoria do romance. São Paulo: Editora UNESP, 1993.

BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi (trad. Carlos Alberto mederios). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.

_______. Medo líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.

CLARK, Katerina & HOLQUIST, Michael (trad. Guisburg). Mikhail Bakhtin. São Paulo: Perspectiva, 2004.
FACCIPIERI, Maria Fernanda. O anomimato: lugar de dizer e nascimento social. In: MIOTELLO, Valdemir (org.). Lago dos signos – identidade, discurso, memória. São Carlos (SP): Pedro & João Editores; 2007.
KANT, E. Critique de la raison pure. Paris: PUF, 1967.
MACHADO, Irene A. Os gêneros e o corpo do acabamento estético. In: BRAI, Beth (org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas (SP): Editora da UNICAMP, 2005.
SOBRAL, Adail. Ato/ atividade e evento. In.: BRAIT, Beth. Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: contexto, 2005a.
_______. Ético e estético Na vida, na arte e na pesquisa em Ciências Humanas. In: BRAIT, Beth. Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005b.

Não apenas um artista, mas um homem indignado com o capitalismo.

Estava como sempre navegando na net, pesquisando diversos artistas que trabalham com o estatuísmo. Me deparei com uma matéria que vale apena, vale muito apena, colocar aqui.
Retirei um trecho em especial que me sensibilizou mt.

" quem vê uma estátua viva fazendo sua apresentação, não imagina que há muito mais que um artista de rua, há um homem indignado com o capitalismo, que não vê sentido em trabalhar tanto para não ter nada. Marcelo Nazar é uma estátua viva com pretensões de fazer cinema e mudar o mundo. "

Marcelo já conheço seu trabalho faz alguns anos, espero que esteja concretizando o que propôs a comunicar. Aqui de sampa estou torcendo por você. Pra quem quiser ler mais da matéria, ai vai o endereço eletrônico: http://cineacademia.blogspot.com/2009/10/estatua-caca-deuses.html .
Marcelo Nazar

Vereda Estreita - Uma postagem sensível.


Estátuas Vivas no Viaduto do Chá

Publicado em 4 de maio de 2008, às 21:19.

Artigo sobre Exposições, Festivais.








Estátua viva: Camponesa
O que marcou a Virada Cultural não foram os grandes shows com artistas famosos. Quem conseguiu aproveitar o evento sabe que coisas muito legais e com menores proporções foram feitas. Um exemplo disso era a Exposição de Estátuas Vivas que ficou ao ar livre em pleno Viaduto do Chá. Por estar em uma das ligações entre Centro Velho e Novo, inúmeras pessoas passavam por ali e assistiram aos artistas que também eram atletas, pois tantas horas ali trabalhando exigem muito preparo físico.
Estavam lado a lado da mesma forma que um museu posiciona seu acervo. A diferença é que havia muita interação com o público. Muitos gestores e curadores de museus deveriam passar por ali para pensar o museu mais do que um belo armário.

Estátuas vivas posicionadas como em um museu.
Estátuas vivas posicionadas como em um museu.
Camponesa e populares
Estátua viva interagindo com populares
Estátua viva interagindo com populares
Tinha de tudo. Figuras conhecidas como Che Guevara, Santos Dumont,Lampião, ou personagens simplórias, como é o caso da encantadoraCamponesa.
Estátua viva: Arcanjo Gabriel
Estátua viva: Santos Dumont
Perto de outras estruturas, essa era uma das mais simples. Requeria alguns seguranças para controlar os mais eufóricos, iluminação e assistência para os artistas.